A audiência do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado, realizado entre os dias 8 e 10 de julho de 2022 em Goiânia, Estado de Goiás, foram marcadas pela emoção e indignação dos representantes dos 15 casos apreciados pelo júri do tribunal. Os povos e comunidades tradicionais, quilombolas, retireiros, quebradeiras de coco babaçu, denunciaram os impactos das violações sobre a terra, os territórios e sobre a vida dos povos tradicionais dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Diante das provas o júri condenou governos, empresas e instituições de cometerem os crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio cultural de seus povos.
Os relatos foram impactantes e revoltantes como foi o caso das quebradeiras de Coco-Babaçu e agricultores familiares do Acampamento Viva Deus, nos municípios de Imperatriz e Cidelândia (MA). As famílias lutam pela titulação de um Assentamento de Reforma Agrária e vivem em constantes conflitos (internos e externos), ataques, vigilância e ameaças de serem retiradas por empreendimentos de monocultivos de eucalipto de empresa de Papel e Celulose.
Já no Estado do Tocantins, os Povos Indígenas Krahô-Takaywrá e Krahô Kanela e comunidades assentadas da reforma agrária nos municípios de Formoso do Araguaia e Lagoa da Confusão resistem à apropriação ilegal das águas por meio de barragens, canais, bombas e desvio do leito dos rios, à consequente seca, ao desmatamento e à contaminação por agrotóxicos na bacia dos rios Formoso e Javaés, afluentes do Araguaia, causadas pelos produtores do “Projeto Rio Formoso”, monocultivo irrigado de arroz, soja e outros, com apoio do Estado e omissão do órgão fiscalizador (Naturatins).
“Que esse júri olhe por nós e faça um encaminhamento para o STF contra o marco temporal, porque nós precisamos da nossa terra para viver. Senão nosso cacique vai morrer, e não vamos ter nem a terra pra enterrar ele”, finalizou Davi Krahô, vice-cacique da aldeia Takaywrá, no Tocantins.
Vale destacar que, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu- MIQCB vem apoiando a luta das famílias nos estados do Maranhão, Tocantins e Pará, por meio do Projeto “Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu Preservando as Florestas”, apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
A assessora do Miqcb, Sandra Regina participou dos três dias de audiências e ouviu as testemunhas relatarem suas histórias de resistência e opressão. Todos lutam para permanecerem em suas terras e em suas casas, mas estão sendo agredidos (as) diariamente com o desmatamento, com o uso indiscriminado de veneno que contaminam as águas, os peixes, as frutas, as terras, com as agressões físicas e psicológicas, assassinatos e muitas outras agressões.
“Nesta geografia dos casos apresentados, tem diversas coisas que são bem parecidas, comum a todos: a morosidade do Estado em fazer a regularização fundiária, crimes ambientais, crimes contra as pessoas e o medo. Sabemos que o Tribunal Permanente dos Povos, é apenas um passo dado, no sentido de serem ouvidos as pessoas que estão nessas condições, expostos a todos esses riscos. É necessário ser dialogado com a Sociedade Brasileira, de ouvi o lamento do seu Povo, de ter uma solução, para que todos vivam com seus direitos respeitados: direito a vida, direito alimentação saudável, direito a beber água potável, direito a terra para plantar, colher, direito de serem cidadãos e cidadãs plenas”, declarou.
VEREDITO:
O júri presente em Goiânia, composto pela subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat, pela escritora e jornalista Eliane Brum, pela professora venezuelana da Universidade Federal do Pará (UFPA) Rosa Acevedo, pelo professor espanhol da Universidade Rovira i Virgili de Tarragona - Antoni Pigrau e pelo jurista francês e presidente do TPP, Philippe Texier, Teresa – Portugal apresentou, de forma contundente e explícita, sua condenação, lida na por Jurados/as ocasião por Eliane Brum.
“O Tribunal dos Povos condena o Estado brasileiro pela sua contribuição decisiva, por ação e omissão, para o crime de ecocídio do Cerrado que envolve, inevitavelmente, o processo de genocídio dos povos do Cerrado”.
Brum continua com o relato da acusação: “o Tribunal dos Povos condena o Estado brasileiro pela sua contribuição decisiva, por ação e omissão, para o crime de ecocídio do Cerrado que envolve, inevitavelmente, o processo de genocídio dos povos do Cerrado. Por elaborar e implementar políticas e programas de desenvolvimento, nos últimos 50 anos, que concorreram para o grave dano, a destruição e a perda do ecossistema do Cerrado como um todo, cujo impacto provoca perda de benefícios ambientais e sociais para as populações da região e do país, que produz a expulsão ou força o deslocamento das comunidades, produz ameaça de extermínio dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e comunidades camponesas, que têm no acesso às condições metabólicas da região ecológica, na capacidade reprodutiva das terras e dos bens naturais sua condição de existência como povos de identidade diferenciada”.
A sentença continua: “O Tribunal Permanente dos Povos condena o Estado brasileiro, o atual governo executivo federal, as unidades da federação, instituições públicas federais e estaduais, estados estrangeiros, organizações internacionais, empresas nacionais e transnacionais, de forma objetiva e compartilhada, por sua contribuição à comissão de crimes econômicos, ecológicos, qualificados como crimes de sistema, que têm gerado graves violações a direitos humanos fundamentais e ao meio ambiente, de forma a obstaculizar o acesso a direitos básicos, como à alimentação, água, medicamentos, moradia, trabalho, entre outros.”
Assiste a coletiva de imprensa onde a sentença é anunciada:
Países como Japão e a China, que integram a União Europeia, também foram condenados por sua compra massiva de commodities que estão na base da monoculturação do Cerrado. Entre as instituições internacionais, foram condenados o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), e em particular Banco Mundial, pela promoção e legitimação de reformas neoliberais que aprofundam o ecocídio-genocídio cultural no Cerrado.
As empresas privadas, cujas atividades estão vinculadas à violação de direitos fundamentais que causam e se beneficiam do ecocídio-genocídio cultural no Cerrado, forma condenadas: Amaggi & Louis Dreyfus Commodities, Bayer-Monsanto, Bunge, Cargill, ChemChina/Syngenta, China Communications Construction Company, China Molybdenum Company, Condomínio Cachoeira Estrondo, Horita Empreendimentos Agrícolas, Mitsui & Co, Mosaic Fertilizantes, SLC Agrícola, Sul Americana de Metais S.A., Suzano Papel e Celulose, TUP Porto São Luís, Vale S.A., e os fundos de investimento TIAA-CREF, Harvard e Valiance Capital.
O Tribunal Permanente dos Povos também condenou o Estado brasileiro, o atual governo executivo federal, as unidades da federação, instituições públicas federais e estaduais.
Vale destacar que o Tribunal Permanente dos Povos é um tribunal internacional surgido na década de 70, que tem como propósito dar visibilidade aos grupos subalternizados nas sociedades nacionais que sofrem com graves violações de direitos humanos. O Tribunal apura a gravidade dos fatos, aponta as situações de impunidades e os responsáveis, além de buscar medidas de justiça e reparação.
O Tribunal Permanente dos Povos não é judicial e, portanto, ele não tem obrigação de cumprir os princípios internacionais e nacionais do processo penal. Ainda assim, as sentenças proferidas pelo TPP são de extrema importância para os sistemas de justiça nacionais e internacionais, e para a opinião pública de uma forma geral, uma vez que expõem os vazios e limites do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos e, assim, pressiona para sua evolução.
Fotos: Thomas Bauer/CPT-H3000 e Sandra Regina.
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