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No Cerrado Piauiense, comunidade de quebradeiras de coco denuncia extração ilegal de madeira nativa

Moradores da comunidade de Vila Esperança, em Esperantina (PI) denunciam flagrante de madeiras nativas do Cerrado extraídas ilegalmente dentro dos limites do território.



Na última sexta feira (16), a comunidade de Vila Esperança, localizada na região dos Cocais Piauiense, no município de Esperantina, realizou uma ação para garantir que não houvesse escoamento de madeiras extraídas ilegalmente de seu território. Espécies nativas do Cerrado, como o Pau D’arco, Angico, Murici, Jatobá, etc., vinham sendo comercializadas clandestinamente há algum tempo. Não é a primeira situação de denúncia de retirada ilegal de madeira feita pela comunidade. Mas é a primeira vez que os moradores conseguem fazer o flagrante antes que a madeira seja retirada do território, encontrando inclusive um machado no local, vez que antes geralmente encontravam apenas o toco das árvores. Assim, montaram uma equipe de vigilância para não haver o deslocamento da madeira sem as devidas providências.

Ainda na quinta feira (15), os moradores da comunidade depararam-se com várias árvores da espécie Pau D’arco e outras espécies nativas do cerrado derrubadas no meio da mata em quantidade suficiente para erguer em média três telhados de casa. “Madeira redonda e madeira serrada. Aqui dentro do mato, por onde você anda tá todo devastado, madeira nova tirada. É crime.” relata em vídeo o Presidente da Associação de Desenvolvimento de Pequenos Produtores de Vila Esperança, Seu Raimundo Gomes Rodrigues, que cita também algumas das demais espécies que fazem parte da área “Pau-pombo, Murici, Jatobá, Gonçalo Alves”.




De imediato, os moradores da comunidade comunicaram à Associação de Desenvolvimento de Pequenos Produtores de Vila Esperança que teve como primeira medida montar guarda para que a madeira não saísse do território antes que os órgãos ambientais chegassem ao local e fizessem a devida autuação. Segundo relatos dos moradores à assessoria jurídica do MIQCB, não se percebe no território a construção de novas moradias, motivo pelo qual se reitera a suspeita que além da extração ilegal, esta esteja associada a crimes de transporte, guarda e venda ilegal de madeira. “Nós da associação, junto aos movimentos do MIQCB e Sindicato de Trabalhadores/as Rurais de São João do Arraial, vamos tomar as providências e levar toda essa madeira para a sede da associação, onde ela só sai de lá se for por uma causa comunitária. Não será beneficiado por outras coisas que não seja coletivo ou comunitário”, afirma Seu Raimundo.





Após a mobilização, os moradores da Vila Esperança juntamente com o apoio do MIQCB e por meio da associação, notificaram o fato ao INTERPI e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, aguardando providências junto ao Ministério Público para que haja a responsabilização quanto aos crimes de extração, transporte e comércio ilegal de madeira nativa. “Nós queremos que a justiça seja feita, que seja cumprida”, complementa o presidente. Têm-se notícias de que o destino das madeiras retiradas ilegalmente no território seria para a Madeireira Antônio, localizada no município vizinho, São João do Arraial.

HISTÓRICO FUNDIÁRIO

A região onde está situada a comunidade e que estão sendo praticados os crimes ambientais são de propriedade do INTERPI, terra pública estadual destinada à regularização fundiária para assentamento de famílias de trabalhadores e trabalhadoras agroextrativistas e quebradeiras de coco babaçu. O local onde foram encontradas as madeiras já possui um histórico de disputa judicial sobre cercamento ilegal de área comum de uso e trabalho. “Essa terra aqui é uma reserva para que possa ficar para pais, filhos, netos e bisnetos, usufruindo dos frutos. A organização que nós quer é pra todos, não pra uma família só”, diz Seu Raimundo sobre o território formado de babaçuais, buritis, bacurizeiros, demais frutas e nascentes de água.

Há 30 anos a comunidade de quatro gerações que hoje possui em torno de 60 famílias, luta para que haja a regularização fundiária do território, a fim de ter uma vida digna usando de forma sustentável os bens da natureza, conservando a fauna, flora, as águas e o modo de vida tradicional. O território da comunidade de Picada Velha, onde uma parte é a Vila Esperança, é oriunda de uma fazenda em que os primeiros moradores viviam da quebra do coco vendendo para o proprietário da terra, em troca por arroz e feijão, e da roça, pagando renda para o “patrão”.

Em 1986, quando essa área já havia sido vendida para o estado do Piauí, os antigos donos ainda realizaram a venda de pequenos lotes. Assim, em 1997, o estado do Piauí entrou com uma ação para anular esse tais atos que foram feitos posteriormente o lugar se tornar terra pública, chegando a ter uma conciliação onde os antigos proprietários queriam ser indenizados pela segunda vez. Essa ação tramita até hoje.

Em novembro de 2018, moradores da comunidade de Vila Esperança chegaram a ocupar a Superintendência do Instituto de Terras do Piauí para fazer pressão pela continuidade dos trabalhos de georreferênciamentos, paralisados à época, e que era uma das peças técnicas necessárias para dar andamento a ação. “A nossa expectativa é que até o final do ano haja sentença judicial, pois o processo vem tendo uma boa movimentação jurídica, e o estado do Piauí já entregou as peças técnicas de faltavam, restando apenas as alegações finais.” informa Renata Cordeiro, assessora jurídica do MIQCB. Tendo como atividade tradicional comum dos moradores a quebra do coco babaçu para a produção de farinha, azeite e vendas, o MIQCB acompanha a comunidade desde 2016.

Importante ressaltar que nos últimos três anos, houve o aumento de ameaças por aqueles que se dizem proprietários da terra, bem como a ameaça por práticas como essa aqui denunciada, que exploram os bens naturais de forma predatória, desrespeitando leis e autoridades locais e não reconhecendo a forma de gestão do território dado pela Associação, que é para conservação, subsistência e do manejo sustentável.

CERRADO: BERÇO DAS ÀGUAS SOB CONSTANTE AMEAÇA

A extração e comercialização ilegal de madeira é um dos elementos que fazem parte dos números de desmatamento do Cerrado. Segundo reportagem do Le Monde Diplomatique Brasil, o Cerrado já teve mais da metade das suas matas nativas devastadas, ao longo do tempo, em razão, sobretudo, da expansão da fronteira agrícola. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE mostram que de 2001 a 2019 foram 28,40 milhões de hectares de cerrados desmatado, situação que se agrava todo ano durante o período mais seco quando as queimadas se alastram com mais facilidade e o desmatamento se expande com intensidade ainda maior.

As retomadas de áreas públicas, que por vezes estão nas mãos de falsos “proprietários de terra”, como a orquestrada pela comunidade de Vila Esperança exemplifica que são os povos e populações tradicionais que estão na linha de frente de processos autônomos e na ação direta pela preservação e manutenção dos direitos territoriais, buscando a conservação das matas nativas, das águas e de toda a sociobiodiversidade. São os guardiões das águas e das matas que mantém o Cerrado como fonte de nascentes, como lugar de subsistência de suas populações e base de reprodução de modos de vidas tradicionais.

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