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"Nós queremos o território livre": MIQCB e quilombolas de Sesmaria do Jardim se reúnem com a SAF.

Ontem (7), o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e a "Comissão do Território" de Sesmaria, estiveram em reunião com o Secretário de Agricultura Familiar, Rodrigo Lago, junto a representantes do INTERMA para tratar sobre o processo de regularização fundiária e o uso coletivo dos recursos naturais do Território Quilombola de Sesmaria do Jardim, localizado no município de Matinha, na baixada maranhense.

Representantes do território Sesmaria do Jardim na SAF junto ao MIQCB e INTERMA. Fotos: Ingrid Barros/MIQCB


Composto pelos quilombos de São Caetano, de Bom Jesus e a comunidade de Patos, o Território de Sesmaria do Jardim é formado por 177 famílias quilombolas e pequenos trabalhadores agroextrativistas, tendo como base do seu modo de vida a pesca, a agricultura e a coleta do coco babaçu. Morada de grande diversidade de flora, fauna e plantas medicinais, o território vem lutando desde 2007 por sua regularização fundiária e contra a existência de búfalos nos campos, de cercas por vezes eletrificadas nos lagos naturais, bem como a derrubada das florestas de babaçu. Atualmente o processo de titulação do Território de Sesmaria do Jardim se encontra em fase final na Casa Civil do estado para a edição do Decreto de Desapropriação pelo Governador Flávio Dino.


"A gente pontua que a grande questão é agrária, que é sobre a restrições de acesso aos recursos naturais. Para além dos conflitos fundiários, é a dificuldade de acessar os recursos, a insegurança alimentar", comenta Anny Linhares da Comissão de Territórios Tradicionais do INTERMA. Há uma relação nominal de 16 pretensos proprietários que colocam cercas no território, inclusive eletrificadas. Há empresas associadas a alguns deles. São posseiros que chegaram no território após as comunidades já estarem estabelecidas, ou que, mesmo tendo uma história de assentamento antigo, passaram a ter práticas de privatização de várias áreas dentro do território, impedido a permanência e o desenvolvimento dos modos de vidas tradicionais, baseado na preservação e no uso comum dos recursos naturais.


Estiveram conosco Anny Linhares, coordenadora da Comissão de Territórios Tradicionais do INTERMA e a Juliana Linhares, procuradora jurídica do INTERMA.

Rodrigo Lado, Secretário de Agricultura Familiar, e Luciene Figueiredo, secretária adjunta da SAF, na imagem junto com Paulo Câmara e Valdemir Mendes, presidente e vice presidente da Associação de Sesmaria do Jardim.


“Desde 2013, eles [os quilombolas] tentam esse diálogo com as 16 pessoas. Foram realizados seminários na área, explicando o que é um quilombo, explicando os direitos envolvidos, explicando sobre a possibilidade de viver na mesma área, por meio da não privatização dos recursos", relata Renata Cordeiro, assessora jurídica do MIQCB. Ela também pontua que já houve situações em que os posseiros foram autuados pela SEMA por práticas vedadas pela lei, como cercar os campos naturais, o cercamento dos babaçuais, o impedimento ao livre acesso aos recursos naturais, que são protegidos por normativas internacionais, bem como pela própria Constituição Estadual. "As ações vedadas por leis e executadas pelos posseiros impedem a gente de mediar algumas situações ou dialogar sobre a permanência deles dentro do território", completa.


"Nós queremos o nosso poder de viver livre em nosso território. Hoje em dia foram nos aprisionando, colocando cercas lá, tirando a nossa liberdade de tá lá na área, de sobrevivermos de lá, da pesca e do babaçu, e vem a questão de até quando? Eles querem ficar lá, mas eles não querem tirar a cercas deles, eles não querem liberar a área pra todo mundo poder entrar. Porque ele não precisa do babaçu, mas a população maior precisa, como hoje que tem dois grupos de produção de coco babaçu dentro do território, produção de azeite. Eles não querem entrar no consenso de ver que estão praticando algo errado", desabafa Maria da Glória, quebradeira de coco babaçu e quilombola que compõe a diretoria da associação do território.


Mapa do território quilombola de Sesmaria do Jardim.


Com uma forte atuação na produção de produtos babaçu como o azeite e o biscoito, com a existência de centros produtivos da Cooperativa Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu, a continuidade das atividades se encontra em ameaça pois os babaçuais de dentro dos territórios estão cada vez mais privatizados. "Pra ter acesso é preciso passar por debaixo das cercas e descumprir a ordem dessas 16 pessoas: 'não entre aqui', 'não colete aqui', 'não deixe o coco aqui'. Isso tem inviabilizado de fato a reprodução cultural, social e econômica dessas comunidades", enfatiza Renata.


Maria do Rosário, liderança do território e Presidente da CIMQCB relata situações em que outras cooperativas precisam ir atrás do coco fora do território para poder produzir, mesmo tendo grandes florestas de babaçu, fazendo gastos indevidos com passagens e na compra do coco. "Nossos cocos estão todos presos, privatizados, dentro de cerca, por detrás de cerca, do gado, do capim. Nós não vamos passar com cofo de coco por cima de cerca, por debaixo de fio de arame, correr o risco de pegar um choque, o veneno do capim, andar dentro de uma solta", denuncia.


Maria do Rosário, liderança de Sesmaria e Presidente da CIMQCB.


Entra governo e sai governo, já são mais de 14 anos que os moradores lutam contra a presença de cercas, dos desmatamentos, do uso de agrotóxicos, queimadas, barragem dos rios e campos que impactam no modo de produção das comunidades tirando-lhes a possibilidade de autodeterminar-se quanto ao que plantam, colhem e se alimentam. A diminuição de áreas coletivas e a privatização de porções do território interfere no trabalho livre e coletivo próprio do modo de vida tradicional de quilombola e quebradeiras de Sesmaria. “De 2007 para cá, o que já foi feito naquele território e que me pergunto onde está o nosso direito? Onde está o direito de povos e comunidades tradicionais? De comunidades quilombolas, aonde está o direito de viver na terra? Onde está o direito pela vida? E onde está o direito pela segurança alimentar?", questiona e enfatiza Maria do Rosário.


Portanto, é sobre o impedimento de viver e produzir alimento, de reproduzir saberes, representações, de repassar, de partilhar e perpetuar suas lutas, histórias e tradições com a autonomia e soberania garantida na Convenção 169 da OIT e na Constituição Federal, de acordo com o modo tradicional de quebradeiras e quilombolas. “Eu nunca mais sentei na frente da minha casa, seis horas, na comunidade. Seis horas da manhã ou seis horas da tarde, a gente senta na porta de casa. Nunca mais eu fiz isso”, lamenta Rosário, que diante de situações de ameaça se encontra sob Programa Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. "Um pedido é que existe um decreto, que precisa ser assinado, pediria muito que o secretário colaborar conosco e nos levar para uma reunião com o governador", finaliza.


Quebradeiras da baixada maranhense na coleta do coco. Foto: Yndara Vasques/Acervo MIQCB


Ao final dos relatos, o Secretário Rodrigo Lago se comprometeu a fazer os encaminhamentos junto ao governador do Estado, “vou dar essa devolutiva para o governador, informar qual é o ponto de conflito, pois nós temos que destravar o processo. Como eu prometi uma mesa de conciliação, acho que não é nada que a gente possa descartar, sem isso atrapalhar o processo, nem que seja pra dizer que a gente tentou. Visto que neste governo já é um processo que está se arrastando há quatro anos.”


O momento é crucial para se fazer pressão pela edição do Decreto pelo Governador Flavio Dino, afinal, são diversas as forças políticas internas e externas ao território que são contra a titulação e que possuem historicamente acesso de forma facilitada à órgãos e instituições públicas. Por fim, deixamos a palavra da quebradeira Maria da Glória: "nossa esperança é poder viver em nosso território livre, livre das cercas, livres dos búfalos, poder ter acesso àquilo que a gente tinha sustentando nossas famílias."



Nas floresta de Babaçu do território. Foto: Yndara Vasques/Acervo MIQCB


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