No último sábado, 7 de novembro, foi realizado na cidade de São Miguel do Tocantins (TO) a I Feira Agroecológica do Babaçu e da Agricultura Familiar em celebração ao Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu Tocantinense, que marca o reconhecimento da luta organizada das quebradeiras pela defesa dos babaçuais e territórios livres. A data foi inspirada e escolhida em memória de Dona Raimunda do Coco, por toda sua trajetória de luta e articulação política pelo direito das mulheres do campo.
A feira foi organizada pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) com apoio da Fundação Ford, Misereor e ActionAid, e em parceria com a CIMQCB e organizações que compõem a Rede Bico Agroecológico. O evento contou com degustação e venda de produtos feitos do babaçu, apresentações artísticas e espaço de memória.
Bolos, brigadeiros e mingau de mesocarpo eram alguns dos produtos que estavam disponíveis para degustação e que deixavam muitos curiosos sobre as receitas, levando-os as bancas expositoras de produtos em busca da farinha de mesocarpo. Além dela, era possível encontrar azeite e óleo de babaçu, biscoitos, licores e mel de abelha, dentre outras delícias. Também havia a venda de artesanatos, biojóias feitas do babaçu, sabão e sabonete, e a possibilidade da compra de grãos, como feijão e fava. “Além dos produtos da cooperativa, to vendendo o azeite que eu produzo torrado em minha casa, to expondo a fava, que é da roça, o feijão, e a farinha.” lista Beliza Costa, quebradeira da comunidade de Juverlândia, localizada no município de Sítio Novo (TO).
Emília Alves, quebradeira de coco, coordenadora da regional Tocantins do MIQCB e uma das organizadoras do evento, relata a importância do momento em poder partilhar com os visitantes os produtos produzidos pelas mulheres extrativistas, “pra nós esta sendo importante mostrar nossos produtos do babaçu. As pessoas estão degustando e gostando. Dizendo que são maravilhosos”.
Outras regionais se juntaram as mulheres do Tocantins. Companheiras da regional Imperatriz e da regional Pará, também se fizeram presente neste momento de troca, memória e celebração. Cledeneuza Bezerra, coordenadora da regional Pará, conta que o trabalho de preparação foi feita de maneira coletiva, respeitando todos os cuidados diante da duradoura pandemia, também relata a importância de levar os produtos ao público para o fortalecimento da luta das quebradeiras no Pará. “Nós nos juntamos, fizemos o biscoito, fizemos o licor, engarrafamos o azeite juntas. Fechamos a caixa, esterilizamos e, mesmo com a distância, viemos. Lá no Pará muita gente diz que não tem quebradeira, então pra nós essa demonstração de estar nas feiras e de tá apresentando os produtos é muito importante, porque estamos mostrando a nossa capacidade, de que todos os produtos babaçu nós fazemos, vendemos.”
Os produtos babaçu são alimentos naturais elaborados sem o uso de conservantes e de agrotóxicos, e sem a prática da derrubada e queimada de florestas de babaçu. Dessa forma, falar de alimentação saudável e de produção agroecológica é também reivindicar a defesa e manutenção dos modos de vida, do acesso aos babaçuais e dos territórios livres. É cuidar da terra, é falar sobre (re) existência, da autonomia e da soberania alimentar, que acontece no modo de viver e produzir dos povos e comunidades tradicionais, respeitando o tempo e modo de reprodução da sociobiodiversidade. Valquíria, advogada e historiadora, em visita a feira reflete sobre o legado desse momento “esse evento traz hoje pra nós uma forma de conscientização pela questão ambiental, pela questão da luta. Essas mulheres são as voz da natureza, a voz dos rios, a voz do meio ambiente.”
7 de novembro: um dia de reafirmação da luta e de memória
Por meio do projeto de lei de autoria da deputada estadual Amalia Santana (PT) que foi sancionado em 2019, ficou determinado o dia 7 de novembro como data de celebração e reconhecimento a luta das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu do Tocantins. Assim como no Maranhão e Piauí, a inclusão do dia nos calendários estaduais é resultado da articulação política e do histórico de resistência e luta coletiva das quebradeiras de coco babaçu dos quatro estados. A data escolhida tem como inspiração o legado de Dona Raimunda do Coco, falecida em 2018, aos 78 anos, deixando grandes lições sobre a defesa dos direitos de homens e mulheres do campo. Ela segue sendo força viva e presente nos babaçuais.
Mãe Palmeira, Dona Raimunda foi líder comunitária e ativista política alcançando grande destaque nacional. Exemplo de coragem e determinação, possui uma trajetória de luta pelo direito dos trabalhadores rurais e extrativista, com destaque para as articulações de mulheres. Em 1991 ajudou a fundar o MIQCB, sendo também responsável pela Secretaria da Mulher Trabalhadora Rural Extrativista do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e umas das fundadoras da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip). “Dona Raimunda foi minha mãe de liderança, a minha musa. Foi com ela que eu aprendi a liderar, a falar no público e a como defender as companheiras, a nossa luta. O dia de hoje tem duas caras, a alegria de ver nossos produtos sendo expostos e todo mundo degustando e gostando, e por outro lado é a tristeza que ela não esteja aqui presente.” relata Maria do Socorro Teixeira, coordenadora geral da ASMUBIP.
Liderança de grande reconhecimento, recebeu diversos prêmios como o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Tocantins e o Diploma Mulher-Cidadã Guilhermina Ribeira da Silva, da Assembleia Legislativa do Tocantins e o Diploma Bertha Lutz, do Senado Federal. Em 2005, listou dentre centenas de mulheres lideranças que concorreram ao Prêmio Nobel da Paz.
“Cantou, lutou, se empenhou e expandiu não só aqui no Tocantins, mas no Pará. A morte não é o fim. A luta da dona Raimunda foi de dar a vida da sustentabilidade a todos os companheiros, principalmente da agricultura familiar. Ela está presente em nossa memória, nos nossos ensinamentos, na contribuição que deixou para os quatro estados. O Pará recebeu todo apoio da dona Raimunda, quando trabalhava com os seringueiros e as quebradeiras de coco. E por isso não podíamos deixar de contribuir junto a nossas companheiras do Tocantins. A luta tem que continuar. Hoje nós estamos usufruindo daquilo que muitas vezes ela não pode usufruir. A gente planta para aqueles que vem depois de nós.”, homenageia Dona Cledeneuza, da regional Pará.
Durante a feira, Dona Raimunda recebeu um texto de homenagem escrito pelos parceiros da APA-TO: “uma semeadora de sonhos, que teve farta colheita ao longo da vida. Raimunda, mulher-semente que germina no coração de cada um que foi alcançado por sua luta, que cresce e se fortalece em cada momento de união, como esse, em que nos reunimos para celebrar a vida e a luta de Raimunda Gomes da Silva. Em 07 de novembro de 2018, ela partiu, no conforto de seu lar, como sempre desejou. Partiu deixando um bocado de sua valentia para cada um e cada uma que se indignar com a desigualdade, que buscar viver uma vida digna. Partiu, deixando como legado as conquistas para os trabalhadores do Bico do Papagaio. No Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, celebramos a caminhada de Raimunda e nos fortalecemos para continuar trilhando esse caminho.”
Para ler o texto completo acesse aqui.
16 ª Mostra Internacional do Cinema Negro – 2020
O filme sobre a dona Raimunda será apresentado na 16 ª Mostra Internacional do Cinema Negro – 2020, no formato digital, na plataforma do Museu da Imagem do Som de São Paulo – MIS SP. O evento começa na próxima terça-feira, 10, e tem duração até 14 de novembro. Além do festival, terá uma roda de conversa com os participantes sobre a temática.
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