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Encontro Geracional do Bico efetiva a conexão entre lideranças dos movimentos sociais e juventude das comunidades

O Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu Regional Tocantins participou do Encontro Intergeracional do Bico do Papagaio. O evento, promovido pelo GT das Juventudes do Bico em parceria com a Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), contou com o apoio do Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (Cais).

Entre os dias 3 e 4 de maio, entidades sociais que defendem o extrativismo e a reforma agrária no norte do Tocantins reuniram-se para realizar a convergência de ideias, pautas, demandas e trabalhos entre jovens atuais e jovens a mais tempo. Pessoas de diferentes entidades e comunidades estiveram reunidas na Escola Família Agrícola de Vila Tocantins para construir alternativas de continuidade da luta e inclusão de novas demandas sociais.

A coordenadora Executiva do MIQCB Regional Tocantins, Ednalva Ribeiro, ressaltou que esse diálogo com a juventude é muito importante, principalmente porque as juventudes do MIQCB no Tocantins também integram o GT do Bico. “A gente quer inserir a juventude nas ações e nos trabalhos realizados pelos movimentos. Foi um encontro de saberes em que a juventude pode aprender com os mais experientes e nós aprendemos com a juventude sobre como é ser jovem hoje”.

Os jovens atuais, de 15 a 32 anos, defendem a inclusão de novas problemáticas sociais para somar à luta. Os jovens a mais tempo, por outro lado, consolidou o compromisso de trabalhar essa inclusão sem tirar o foco da luta pela terra e a regularização fundiária. A juventude de outrora aprendeu fazendo, criaram os sindicatos, movimentos e associações por meio de muito trabalho em adversidades ímpares. Aí está, como exemplo, a luta e assassinato de Padre Josimo. São pessoas que viveram processos lentos de busca por direitos.

Atualmente, os desafios são outros, o que não significa que sejam menores. O racismo, a LGBTfobia e a desigualdade de gênero são temáticas que incomodam e mobilizam a juventude atual. Tudo isso ao mesmo tempo para lidar com o cenário tecnológico fugaz a todo instante.

Jorge Luís Roberto Lima, que faz parte do GT das Juventudes do Bico desde 2018, conta que o diálogo foi importante para a organização da juventude. “Momentos como esse nos dão garantias de inserção da juventude no processo de luta por direitos, muito no intuito de rejuvenescer os movimentos para que as novas gerações consigam dar continuidade nas lutas”.

Os maiores desafios ainda são os acessos às cidades, a geração de renda e a permanência da juventude no campo. É o que diz a pesquisa realizada pelo GT das Juventudes do Bico em parceria com a APA-TO com patrocínio da Misereor. Segundo o levantamento, 70% dos jovens rurais querem permanecer no campo, mas não conseguem por falta de renda. E a maioria quer continuar a estudar, mas precisam trabalhar para garantir sua existência desde muito cedo.

Camila Holanda, que também faz parte do GT das Juventudes e é assessora da APA-TO, ainda lembrou que “mesmo querendo trabalhar, mesmo saindo para as cidades em busca de trabalho, os jovens encontram muitas barreiras por conta do preconceito, por terem vindo do campo”.

O trabalho da APA-TO com a Juventude do Bico começou ainda em 2014, como conta a diretora Executiva Selma Yuki Ishii. “Trabalhando com eles, percebemos que eles queriam começar a ocupar os espaços dentro das suas comunidades para refletir sobre seu papel junto aos movimentos”. Desde então, o trabalho de formação construiu uma proposta metodológica para a realização de encontros com as lideranças dos movimentos.

“Nós queremos continuar e o próximo passo é realizar uma avaliação geral. Mas já estamos muito felizes porque a juventude já coordena os eventos, se desafiam para isso. Eles perderam a timidez e conseguem ser interlocutores da própria demanda. No início, a juventude se voltava à APA-TO, hoje o GT se tornou ator representativo e atuante da própria juventude”, pontuou Selma.

A APA-TO segue com o papel de provocar os movimentos sociais a discutir as pautas apresentadas pela juventude em busca de inseri-los de forma orgânica nas entidades de representação. O encontro geracional é um símbolo dessa provocação que pretende avançar no processo de renovação das frentes de luta dos trabalhadores rurais e extrativistas.

Por isso, esse encontro promovido pelo GT das Juventudes do Bico em parceria com a APA-TO é tão necessário. Construir essa convergência contou com a ajuda do sociólogo Adriano Martins, coordenador de Programas do Cais. O professor intermediou toda a discussão e trouxe pontos de conexão entre as gerações.

“O desafio da participação e do protagonismo das juventudes em lutas sociais é um desafio da ordem do dia, ele é fundamental. Talvez essa seja uma das tarefas mais estratégicas para as lutas sociais atualmente. Mesmo que não seja um desafio simples, no sentido de que os jovens chegam em espaços já constituídos ao passo que eles já possuem as próprias demandas”, explicou Adriano.

As juventudes já têm experiência de luta, elas já têm contatos com situações de opressão e injustiça, e para elas só faz sentido entrar para as entidades representativas se for para enfrentar essas situações de discriminação e de injustiça. Então, as juventudes trazem temas para os movimentos sociais tradicionais que nem sempre fazem parte da pauta dessas entidades.

O que os jovens querem é que as organizações tradicionais se modernizem e passem a enxergar que as novas demandas sociais como balizadoras para a aproximação de novos membros que podem contribuir com a luta. O sociólogo ainda aponta que “essa aproximação gera choques culturais porque é formada por pessoas reais. Os preconceitos vivenciados hoje, quando tratados de maneira convergente, podem ser muito benéficos para ampliar a atuação dessas organizações”.

A questão é que uma demanda não anula a outra. O fato de trabalhar o racismo, por exemplo, não invalida a luta pela reforma agrária, mas traz compreensão de que o primeiro explica a necessidade do segundo. “Essa visão ampliada dos processos sociais apresenta grande potencial de ganhos múltiplos com a aproximação dessas diferentes gerações”. Mas Adriano defende que é preciso abertura para lidar com pensamentos, práticas e sugestões diferentes, o que motiva a luta social são as experiências de opressão que cada pessoa viveu. “Se existe desejo de mudança, de lutar contra injustiça, se amplia a luta ao longo do tempo”.

Todas essas vozes ecoam para uma única vontade: viver no campo com dignidade, com a garantia da própria terra e a reforma agrária para todas e todos. A construção foi linda de se ver e viver.


Cuidado

Durante todo o evento aconteceram dinâmicas laborais e místicas. À medida em que a pauta avançava, as manifestações se faziam necessárias e então compartilhadas. Música, dança e poesia embalaram os acordos entre a nova geração e os jovens a mais tempo.

Porém, a dinâmica que mais envolveu os participantes foi a do anjo. No primeiro dia de evento, ainda no início, cada participante foi convidado a retirar o nome de alguém de um envelope pequeno. O nome retirado seria protegido por quem o tirou até o final do evento.

A ideia era fazer com que as pessoas cuidassem umas das outras e se aproximassem entre si. Perceber o outro precisa de energia e intenção, e foi isso que aconteceu. Entre as refeições, durante as discussões e até na hora de se preparar para dormir, dava para notar as pessoas preocupadas em contribuir com as outras.

O detalhe é que os anjos não poderiam revelar seus protegidos até o final do evento. Aqueles que quisessem poderiam oferecer um presente como lembrança. Muitos jovens artesãos produziram artesanatos excepcionais, líderes por outro lado compartilharam camisetas, bonés e outros itens de luta.


Território da Cidadania

Desativado após o impedimento da Dilma Rousseff à presidência, membros dos movimentos sociais do Bico têm se articulado em busca de reativar esse grupo. A escola onde aconteceu o Encontro Intergeracional é um exemplo dos resultados obtidos por meio dessa organização.

A formação do Território era composta pelo poder público municipal dos 25 municípios do Bico do Papagaio e a sociedade civil organizada, por meio de representantes de entidades de representação de classe ou de luta social.

O MIQCB fez parte do planejamento da EFA Vila Tocantins e esteve presente nas discussões até sua inauguração. A escola é uma referência na região, as crianças ficam na instituição durante toda a semana, em dormitórios próprios. As três refeições do dia são produzidas, em sua maioria, com ingredientes provenientes da agricultura familiar local. O local é amplo e tem acesso direto à mata que circunda as hortas e jardim.

Patrícia Elite, moradora da Comunidade Olha D’Água contou que a EFA era um sonho. “Eu participei das discussões para implementação dessa escola. Meu sonho era ela ser inaugurada para eu vir estudar aqui. Mas aí, antes de inaugurar eu fiquei grávida e não pude vir. Minha felicidade é que a minha filha já vai começar a estudar, ela vai estudar aqui, vai estudar no lugar que eu ajudei a levantar”.

O retorno da atuação desse grupo é importante para as comunidades rurais do Bico e tem potencial para melhorar a vida das famílias extrativistas, aquelas que preservam e protegem a mata nativa e conserva o meio ambiente, benefício para todos e todas.


Participaram do encontro as entidades: Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (ASMUBIP), Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (Cais), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Nacional das PopulaçõesExtrativistas (CNS), Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Movimento Sem Terra (MST), Rede Bico Agroecológico e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região.


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